terça-feira, 28 de outubro de 2014

O TEMPO PASSA

Este não é um conto necessariamente de terror. Mais informações no final do post.

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O menino acordou e descobriu que o sol ainda não tinha aparecido pela janela. Pensou em chamar seus pais, e só então se recobrou que não seria possível. O casal repleto de rugas e pelancas que preparavam seu café da manhã, lavavam suas roupas e pagavam sua mensalidade escolar não moravam mais ali.

- Queria eu ser apenas um garoto – ele disse em um tom triste; deprimente até. Levantou e calçou seus chinelos; eles estavam repousando ao lado da sua cama, exatamente como aprendera com seu pai. Caminhar descalço parecia um pecado na mente daquele homem cheio de manias. Como uma doença contagiosa, o menino que agora se entendia como homem, contraiu as mesmas manias.

Arrastou-se a passos lentos e frios – cansado, seria uma palavra que se encaixaria melhor, mas era orgulhoso. Fraqueza não parecia algo certo a se demonstrar.

Chegou até o banheiro. Ao tocar o interruptor, a luz branca refletida pelos azulejos de mesma cor interrompeu sua visão. Mesmo que por um mísero segundo, a cegueira momentânea tirou seu equilíbrio.

Então ele aceitou. Fechou os olhos. Apoiou-se na porta de madeira. Admitiu sua fraqueza. Respirou fundo e partiu em direção ao espelho.



Quem era aquele homem?

De onde vieram aquelas rugas? Quais histórias cada mancha e olheira contavam?

Oitenta anos? Quem dera. Seria ótimo poder usar a desculpa da velhice. Pegue um indivíduo de quarenta anos, adicione nicotina, bastante café e um vício supostamente superado em cocaína. O resultado aproximado seria Edgar; o homem cansado e desanimado que se olhava no espelho enquanto se perguntava quem era.



Ele sabia quem era.

Feliz seria se não soubesse.

Passou a mão áspera pelo rosto caído e bocejou. O corpo pedindo oxigênio, e Edgar já pensando em dar-lhe mais nicotina. Dessa vez ele não começaria tão cedo, escovaria os dentes antes. Para si mesmo era um grande avanço, um orgulho.

Mas primeiro o Diazepam. Seguido do Valium. Para só então se deleitar com Fluvoxamina, seu favorito. Citalopram e Sertralina não faziam mais efeito.

Com o copo empoeirado que ficava largado na pia, ele encheu d’água e mandou comprimido após comprimido goela abaixo.

Lembrou-se de quando ficava doente quando era apenas uma criança e era incapaz de engolir os remédios. Seu pai o ensinara a colocar na boca, adicionar água e engolir enquanto vira a cabeça para o alto rapidamente.

Assim ele o fez.

Remédios tomados, hora de cuidar dos dentes que restaram.

Os molares negros que sobraram pareciam crateras em meio a vagos espaços. Os dentes da frente já estavam amolecidos e seu tom amarelado demonstrava uma péssima saúde.

Edgar escovou com cuidado. Qualquer esforço demasiado poderia causar um sangramento e uma dor intensa. Ele não tinha dinheiro para correr a um dentista. Precaução era sua melhor amiga.

O menino suspirou em frente ao espelho e pensou, “É, o tempo passa”.

E ao sair do banheiro, desceu para brincar com seus carrinhos. Sua mãe tinha feito biscoitos.

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Post Scriptum:
Este conto foi escrito para um projeto pessoal de escrita criativa. Em suma, alguém me estipulou um tema e/ou um prazo. A ideia é escrever sem pensar; sentar na frente do computador e deixar a história se escrever sozinha.
Este conto foi escrito em 15 minutos e o tema era "Tempo".

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