Eram tempos difíceis. Aliás, sempre foram, mas quando você se vê desempregado e sem condições alguma de conseguir um trabalho, a situação se torna insustentável. Eu não tinha mulher, muito menos filhos (pelo menos não que eu saiba), não tinha família em quem me apoiar. Era só um homem lutando pela própria sobrevivência. Ninguém pode me julgar por como ganhei a vida. Como meu pai mesmo dizia "Enquanto houver idiotas no mundo, os espertos não morrem de fome".
Meu último
emprego havia sido em uma oficina. Eu era ajudante de mecânico. Ainda fazendo
hora extra, mal dava para pagar aluguel, água, gás, luz e outras despesas. Eu
não tinha telefone pois não tinha para quem ligar (um gasto a menos). Saí de lá
disposto a melhorar de vida. O dono da oficina ganhava muito dinheiro com a
venda de peças e eu na miséria. Eu queria a mesma coisa para mim. Mas se eu não
tinha dinheiro para investir em peças automotivas só tinha uma forma... Peguei
uma enorme corrente que havia levado da oficina durante minha saída. Enrolei-a
com arame farpado, bastante arame farpado. Toda noite eu ia até a estrada 59,
um lugar deserto, com apenas a alta vegetação a esquerda e a direita. Nem o
celular mais moderno conseguia captar um pouco sequer de sinal lá.
O plano era
simples, porém bastante lucrativo. Eu amarrava um fio de nylon na ponta da
corrente, a deixava de um lado da estrada e ficava do outro. Quando um carro se
aproximava eu puxava a corrente. O idiota passava e ficava sem os quatro pneus.
Sem ter como pedir ajuda ele só tinha uma opção: abandonar o carro na estrada e
ir buscar ajuda em um hotel que ficava há uns 100 metros dali. Geralmente eram
motoristas sozinhos ou casal (nesse caso a mulher ficava com medo da estrada
escura e ia junto com seu cônjuge). E eu tinha acesso ao carro abandonado, para
pegar todas as peças e revende-las no mercado negro. Era o trabalho perfeito.
No caso de
alguma investigação, o dono do hotel seria o primeiro indiciado. De qualquer
forma eles nunca me encontrariam, eu não tinha moradia. Toda manhã eu ia dormir
em qualquer hotel de beira de estrada como aquele da Estrada 59. Lembro-me que
uma vez um casal caiu na minha armadilha e como todos os outros foram até o tal
hotel. Eu depenei quase o veículo quase todo. Não eram nem onze horas ainda. Ia
ser uma longa noite, então decidi ir até o hotel para vê-lo. Nunca tinha ido
lá, queria saber onde minhas vítimas ficavam.
Chegando lá,
a recepção estava vazia. Tive a impressão de ouvir uns gemidos vindos de um dos
quartos no andar de cima. Parecia que o casal não perdeu tempo e foi se
divertir da forma mais simples que um homem e uma mulher podem. Subi as escadas
seguindo o barulho. Não sou voyeur, mas a curiosidade foi tamanha que não pude
me conter. O barulho foi ficando cada vez mais alto até que localizei de onde
vinha. Encostei meu ouvido na porta do quarto e ouvi os gemidos, que agora se
pareciam mais com urros abafados de dor. Fiquei estarrecido ao olhar pela
fechadura. O rapaz que havia descido do carro estava nu e pendurado pelas mãos
com correntes presas a parede, haviam muitas perfurações e cortes no seu corpo.
Ele estava vivo, mas não estava mais ali devido tamanha dor. Seus olhos estavam
desumanamente arregalados e fixos na cama onde estava sua esposa, também nua e
ensanguentada e com pés e mãos amarrados. Um homem vestindo apenas uma camisa e
uma máscara de demônio a violentava furiosamente enquanto ela tinha seus gritos
abafados por uma mordaça. Ela não tinha muito que fazer, estava completamente
imobilizada. Ao redor daquela cena agonizante haviam tesouras, facas, seringas,
barras de ferro, um vasto menu de materiais de tortura, e no canto do quarto...
Uma câmera em um tripé.
Naquele
momento eu percebi a besteira que vinha fazendo há tempos. Desci as escadas o
mais rápido que pude e corri enquanto prometia para mim mesmo que nunca mais,
absolutamente nuca mais, eu iria dormir em um hotel de beira de estrada! Pode
ser muito perigoso! Eu ainda tenho muito para viver, e muito dinheiro para
ganhar. Aliás, é época de férias, muitos carros vão passar na Estrada 59.
Preciso voltar ao trabalho.