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domingo, 2 de novembro de 2014

AMANHÃ

Este não é um conto necessariamente de terror. Mais informações no final do post.

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Seus dedos caminharam serenamente pelas costas da minha mão e então se entrelaçaram aos meus. Ela suspirou como que pedindo que eu perguntasse o que havia. Já que não mordi a isca, ela soltou:

- Paris é tão linda.

Ela via uma Paris iluminada cercando a Torre Eiffel como se a gigantesca estrutura de ferro fosse uma ilha com casais apaixonados ao redor tomados por um desejo abrasador a se beijar. Eu via a Paris verdadeira com as ruas a escoar um odor podre em cada viela, repleta de mendigos a convulsionar no meio-fio enquanto policiais arrastam alguma menina de rua para um beco.

- Pois é – apenas assenti. Ela percebeu no tom fraco de minha voz a discordância. Virou-se e com a cabeça debruçada sobre meu peito me abraçou.


- Aqui é praticamente o cartão postal do mundo. Admito que se não morasse aqui, eu...

- Pensaria em uma forma de levar Paris para o mundo afora – completei sua frase. – você já me disse. – E dei um risinho. Exatamente como quando nos conhecemos.

Eu segurava a xícara na altura dos lábios fazia alguns minutos. Meus olhos se moviam freneticamente olhando ao redor, porém estáticos em um rosto alerta. Precisava me misturar aos clientes do caffe. Assim os policiais não me notariam.

Minha batalha contra as autoridades vinha ocorrendo havia três meses. Tudo começara quando Alberto Legrand, o temível magnata decidiu expulsar a mim com minha família – e muitas outras – do grande prédio Le Dove que estava abandonado há anos. Ele não tinha qualquer projeto em mãos, apenas não queria uma porção de pobres sujando sua propriedade com sua presença, como ele mesmo dissera na manchete que tomou a capa dos maiores jornais da cidade.

Compreendo que o prédio não pertencia a nenhum de nós, mas era inegável o sorriso em seu rosto ao falar sobre assunto e citar que queria todos nós na rua. Por isso os protestos começaram. E por isso os protestos não iam cessar.

Eu olhava firmemente para o vidro que dava para a rua. Quando a viatura policial passasse pelo largo retângulo era minha deixa para sair e buscar um novo abrigo. Ela deve ter confundido meu olhar atento e sorriu; achou que eu olhava para ela. Apensas devolvi o sorriso. Ela aceitou acanhada e folheou o livro em sua mesa de forma automática. Após trocas constrangedoras de olhares decidi tomar alguma atitude. Levantei-me e a acompanhei em sua mesa. Estar com alguma companhia ajudaria a me tornar invisível.

A conversa fluiu tão naturalmente que parecíamos ser amigos de décadas – mesmo ambos não passando dos vinte e poucos anos. Não precisávamos nem mesmo saber os nomes um do outro para que nos sentíssemos confortáveis para falar sobre nós mesmos. Eventualmente uma hora teríamos de saber como nos chamar.

- Bernard – eu estiquei a mão e a cumprimentei.

- Alícia Legrand – ela respondeu. Seu sobrenome me acertou como um soco na têmpora. Demorei alguns segundos para computar a informação. Ela continuou: – Sim, sou filha de Alberto Legrand, se é o que está pensando. Mas não sou uma capitalista imperialista como dizem os tais jornalistas. Estou mais preocupada com a arte.

Eu não tinha nada planejado, jamais pensei em fazer qualquer mal ela, longe disso. Não tinha sequer imaginado elaborar um plano conspiratório para usa-la contra o pai. Mas a ideia de namorar a filha do grande magnata que por tanto tempo desejei vingança era tentadora.

Agora eu a tinha e não sabia o que fazer. Eu só queria... Só queria continuar a tê-la.

- Eu te amo – ela disse e beijou meu pescoço. Em seguida fechou os olhos preparando-se para dormir. Já passava das duas da madrugada e teríamos de descer de cima da banca de jornal cedo quando o dono chegasse de manhã para abri-la.

- Eu também – respondi apático e mantive o olhar fixo no céu escuro pintado com pontos brancos acima de mim. Talvez amanhã eu decidisse o que seria do amanhã.


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Post Scriptum:
Este conto foi escrito para um projeto pessoal de escrita criativa. Em suma, alguém me estipulou um tema e/ou um prazo. A ideia é escrever sem pensar; sentar na frente do computador e deixar a história se escrever sozinha.
Este conto foi escrito em 1 hora e os temas eram "Paris" e "Noite" (mais especificamente as duas imagens utilizadas no post).


Um comentário:

  1. 'Agora eu a tinha e não sabia o que fazer. Eu só queria... Só queria continuar a tê-la.'
    Captou o que sinto atualmente por quem hoje guardo um sentimento no peito esquerdo.

    Parabéns

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