terça-feira, 10 de setembro de 2013

Paradoxum - Capítulo 3: A CEIA

ESSE TEXTO É DE MINHA AUTORIA
Sinopse: Para relembrar seu passo, Dood precisa se acalmar, relaxar e fazer uma boa refeição. É natal e é hora de cear
.

A CEIA

Os ecos daquelas escadas não ajudavam. Enquanto subíamos, o toc-toc dos sapatos de Rudy me incomodava cada vez mais. Era um som insuportável, mas ele não parecia se importar. Na verdade acho que eram meus ouvidos que estavam sensíveis. Sentia eles úmidos, de um forma extremamente desconfortável.

- Porque não estamos subindo pelo elevador? - Questionei.
- Porque eu não entro em elevadores. Detesto lugares fechados. - Ele respondeu, pela primeira vez demonstrando não estar confortável com a revelação. - Até nós temos medos, meu caro. Você se lembra qual o seu medo?
- Não. Qual é? - Respondi prontamente.
- Como assim qual é? Você quer mesmo se lembrar de qual é o seu medo. Se você esqueceu é por que não o tem mais. E se não o tem mais, não há motivos para querer se lembrar.
- Se estivesse na minha situação de não saber absolutamente nada sobre si mesmo, também aceitaria saber qualquer coisa.
- Mas eu já vou te contar tudo sobre você e sua vida bizarra. Durante a ceia eu te conto absolutamente tudo. Fechado?

Como se eu tivesse alguma escolha. Aqueles lances de escada pareciam infinitos. Toda aquela áurea aterrorizante que havia criado sobre ele se foi quando ele me fez subir dez andares pelas escadas, simplesmente por causa de um medinho.

- Você mora aqui?
- Não. Estamos indo ao apartamento de um amigo meu. - Rudy disse em um tom sério. - É um cara que eu posso dizer que devo minha vida a ele. Nós não nos víamos fazia um bom tempo. Não há melhor momento para uma visita do que no natal não é mesmo? Estávamos ceando, quando Nagini me ligou dizendo que tinha te encontrado. Você sumiu por bastante tempo hein.
- Quem é Nagini?
- Você vai conhecê-la em breve. Ou melhor, vai re-conhecê-la. Você vai gostar dela. Pelo menos você costumava gostar.

Esse nome, Nagini, era uma das poucas coisas que eu me lembrava. Não conseguia ligar o nome a pessoa, ou a qualquer outra memória. Mas tinha certeza que esse era um nome cujo qual já havia ouvido falar.

- Nunca vamos chegar? - Questionei impaciente.
- Acalme-se. Pare de murmurar. Ainda tem uma morte inteira para viver. E também chegamos. - Rudy apontou para uma porta feita de madeira que reluzia as luzes esbranquiçadas do corredor. - Apartamento 1052.
- Ele não vai se incomodar com um homem no meu estado entrando na casa dele assim?
- Lógico que não. Calebe é um bom homem. Muito hospitaleiro, diga-se de passagem. Você verá.

Rudy retirou um molho de chaves e calmamente escolheu uma delas. Colocou no buraco da fechadura daquela bela porta de madeira e a abriu. Adentramos o apartamento. Logo na sala de estar me deparei com uma enorme mesa, montada com uma ceia completa. Um belo peru assado que de tão dourado, parecia ter sido banhado a ouro. Uma garrafa de vinho intocada e outra pela metade, acompanhada de uma taça com alguns restos da bebida. Pude ver também arroz, mexilhões, peixes, queijo, variados tipos de comida que decoravam a mesa. Ramos de flores completava os enfeites. Contrastando com toda a abundância de alimentos, observei que as cadeiras estavam espalhadas pela sala. Alguém as havia arremessado pela casa. Uma mancha borrada de sangue também se destacava em uma das extremidades da mesa. Enquanto analisava o ambiente que acabara de entrar, Rudy gritava.

- Doutor, voltei! Trouxe um amigo. - Ele virou a direita encaminhando-se ao que parecia ser o banheiro. Ao alcançar o outro cômodo e abrir a porta, me deparei com uma cena horrível. As paredes, o chão, absolutamente todo o banheiro estava sujo de sangue. Abraçados e amontoados em um canto estavam um homem, com uma camisa social meio amarrotada, calça social e descalço. Uma mulher com um belo vestido amarelo estampado com flores, seu braço direito carregava duas enormes marcas de dentes cravados sobre a carne. Ela estava pálida, o sangue espalhado pelo banheiro provavelmente pertencia a ela. Apoiadas em seu colo vi também duas pequenas meninas. Todos estavam com sacos amarrados a cabeça e as mãos amarradas as costas. Ao ouvir a voz de Rudy as meninas gritavam de medo, ao que seu pai as abraçava.

- Tenho uma surpresa para você. - Ele disse enquanto ia em direção ao banheiro. - Você vai adorar.

Rudy parecia tão entusiasmado que me assustava. O que eu sabia sobre ele até o momento me fazia questionar se eu realmente ia adorar essa tal surpresa como ele disse. Ele saiu do banheiro arrastando duas meninas de cerca de oito anos pelos braços. Elas estavam vestidas com vestidos bastante parecidos, se não fosse uma fita aqui ou ali, e também a cor é claro. Uma de vermelho e a outra de azul. Os sacos em suas cabeças abafavam os choros. Rudy as jogou bem na minha frente.

- E aí?
- E aí o que? - Respondi sem entender.
- Qual você quer? A de azul ou a de vermelho?
- Eu não vou fazer mal a essas crianças. E você também não!
- Cara, nós viemos aqui para comer não é? Eu só quero que você escolha qual vai ser primeiro.
- Eu não sou como você.
- Claro. Bem conveniente ouvir isso de um cara que mata velhinhas.

Sentia-me estranho em não me sentir mal. Sentia o resto de humanidade que havia em mim ir embora. Apenas levantei o dedo e apontei para a de vestido vermelho. Sua pele era mais branca, quase com sardas. A carne parecia ser mais macia. E realmente era. Rudy a serviu sobre a mesa, ao lado do peru e do pote de arroz. Quando restaram apenas pequenos ossos com restos de carne em nossos pratos, Rudy se levantou.

- Você vai gostar dessa.

Ele retornou ao banheiro, dessa vez voltou trazendo a menina com vestido azul. Eu podia ouvir seu choro e por mais tentasse era incapaz de me comover. Ao retirar o saco que escondia sua cabeça fiquei confuso por alguns instantes. O rosto dessa menina, era idêntico ao da outra que havíamos acabado de devorar.

- Que acha? - Rudy perguntou-me com um sorriso no rosto. - Entendeu?
- Não. Não entendi. - Respondi sério, sem compreender qual era a graça que Rudy estava achando.
- São gêmeas cara. Quer dizer, se você tivesse escolhido qualquer uma seria a mesma... Ah, esquece. Você não tem o menor senso de humor.

Eu não estava em condições de exigir qualquer tipo de sanidade ou ética da parte dele. Mas aquilo mexeu comigo. Rudy realmente não era uma pessoa "normal". Ele continuou seu discurso.

- Vamos. Precisamos falar com o Doutor Calebe.

Caminhamos em direção ao banheiro, enquanto Rudy palitava os dentes.

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Capítulo 1: Acordar
Capítulo 2: Unidos pela carne
Capítulo 4: Os restos da guerra
Capítulo 5: Fundação

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